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Depressões - Blog do Rodrigo - 1000 dias

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Depressões

Argentina, Rio Gallegos

Chegando ao Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina

Chegando ao Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina


Nosso primeiro compromisso hoje foi tentar aproveitar a última cidade grande na nossa rota por um bom tempo para cuidar da manutenção da Fiona. Trocamos o óleo e o filtro do carro a cada 10 mil km e passamos dessa marca recentemente. Na América do Norte, essa era uma operação mais complicada, já que não há carros como a Fiona por lá e, portanto, também não há muitas das peças de reposição. A solução foi levarmos essas peças sobressalentes conosco, especialmente as que não se encontram por lá. Mas aqui na América do Sul é muito mais fácil achar essas mesmas peças, especialmente aqui na Argentina, país onde são produzidas as Toyotas Hilux. Enfim, tentamos fazer isso ontem, ainda em Ushuaia, mas teríamos de esperar algumas horas pelo serviço, já que a fila estava grande. Com muitos quilômetros de estrada pela frente, acabamos decidindo por apenas comprar as peças e fazer o serviço mais adiante. Rio Gallegos nos pareceu uma boa ideia, mas a data não ajudou. Último dia do ano, estava tudo fechado. Concluindo: a Fiona vai ter de esperar um pouco mais. Ela aguenta!



Então, com óleo velho mesmo, seguimos em frente. Nosso destino agora era o Parque Nacional Monte León, um dos poucos no país a beira mar, acesso pela mesma ruta 3 que vínhamos dirigindo desde Ushuaia. Até há poucos anos, o parque era uma grande estância que já recebia muitos visitantes, mas o governo decidiu encampar a área para ajudar na conservação. É uma região de formações geológicas muito interessantes e, principalmente, riquíssima em fauna marinha como pinguins, lobos-marinhos e aves do Atlântico Sul. A principal atração é uma ilha com milhares desses pássaros, acessível apenas em passeios de barco. Mas o que nos atraia de verdade era uma outra coisa, uma formação natural conhecida como “La Olla”.

Mapa turístico do Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina

Mapa turístico do Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina


Nós viajamos no país com um livro-guia bem antigo que havíamos comprado para fazer outra viagem, muito antes dos 1000dias. Atrações turísticas não envelhecem e o livro tem nos ajudado bastante. Pois bem, há uma foto nesse livro que sempre nos hipnotizou, justamente dessa tal de “La Olla”. É uma enorme caverna na praia criada pela constante movimentação das marés contra os rochedos da orla. Diz o livro que ela só pode ser acessada durante a maré baixa, que aqui se retrai ou avança longos quilômetros através de uma praia quase plana. Quando a maré está subindo, é como se fosse um verdadeiro rio, um mini-tsunami, e não é bom te encontrar pelo caminho. Então, deu um certo trabalho, descobrimos o horário das marés nessa parte longínqua do litoral sul da Argentina e calculamos a hora certa de chegar ao parque. Tudo para não perder aquela caverna que, pela foto, mais parecia uma catedral. Um enorme buraco no teto deixa a claridade entrar iluminando o interior da caverna, algo que nunca vimos em uma praia. Os turistas parecem pequenas formigas comparados com o tamanho de toda a estrutura. Enfim, uma verdadeira maravilha natural.

Em manhã de chuva, chegando ao Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina

Em manhã de chuva, chegando ao Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina


Chegamos ao parque ainda pela manhã, clima meio chuvoso. Mas o céu acinzentado não atrapalhava nossas expectativas. Desde que vimos aquela foto, quase 8 anos trás, sempre soubemos que um dia passaríamos por aqui. Quando iniciamos os 1000dias, a expectativa cresceu. Quando chegamos à Argentina, aumentou mais ainda Quando atingimos o extremo sul do país, ela estava explodindo. E agora, ao avistar a recepção do parque, era o êxtase! Nada mais nos poderia impedir de realizar o antigo sonho. Ou não?

A incrível caverna furada na praia do Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina. Infelizmente, o teto desabou e ela não existe mais

A incrível caverna furada na praia do Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina. Infelizmente, o teto desabou e ela não existe mais


Cartazes na entrada do centro de visitantes já avisavam: parque fechado para visitação. Motivo? A chuva. O sonho começava a ruir, mas ainda tínhamos esperanças na nossa Fiona. O barro nas estradas pode atrapalhar carros menores, mas a Fiona foi feita para isso. Fomos argumentar com a atendente. Ela não se comoveu. Eu não desisti. Ela chamou o seu chefe, um sujeito bem mais antipático. Ele explicou que a estrada para se chegar até o mar era muito escorregadia, que o carro poderia até descer, mas não subiria de volta. Caminhar, nem pensar, seriam 17 km em cada sentido. Eu chorei e chorei. Disse que vinha de longe, que seria impossível voltar na semana seguinte (como ele havia sugerido), que a Fiona subia qualquer coisa, que a gente poderia deixar o carro no alto da subida e etc e etc. Mas o cara não arredava o pé e o clima foi ficando tenso. Até que eu apontei a foto da Olla na parede e falei que seria muita maldade dele não nos deixar ver aquilo. E aí, a primeira atendente que assistia à acalorada discussão em silêncio e se compadecendo de nós soltou a bomba:

Turistas visitam a caverna La Olla, no Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina (foto do site 'The Photographer's')

Turistas visitam a caverna La Olla, no Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina (foto do site "The Photographer's")


“Ahnnn, querem ver a Olla? É impossível! Ela não existe mais”. - “???”, foi a nossa resposta, escrita e estampada em nossos olhos. “É, ela ruiu e desabou em Outubro de 2006”. Quem ruiu, aí sim, foram nossas esperanças. “Desabou?” – ainda estávamos incrédulos. “É, desabou. Não sobrou nada, só umas pedras espalhadas. Nem parece que já foi uma caverna”.

A caverna La Olla depois do desabamento de seu teto em Outubro de 2006, no Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina

A caverna La Olla depois do desabamento de seu teto em Outubro de 2006, no Parque Nacional Monte León, no litoral sul da Argentina


O silêncio preencheu a sala. Só foi quebrado pelo chato do chefe dela perguntando se queríamos o telefone da agência de passeios de barco até a ilha. Pensei em sugerir para ele um bom lugar para colocar aquele número de telefone, mas preferi passar para a ironia e perguntar se ele achava que aquele chuvisco lá fora tinha deixado algum parque nacional no país ainda aberto à visitação. Ele preferiu não entender a provocação e eu fui mais específico, perguntando sobre o Parque Nacional do Bosque Petrificado, nosso próximo destino hoje. “Lá não chove, está no meio do deserto.” - foi sua resposta seca. Sem a caverna e com o parque fechado, nada mais nos segurava por ali. Rumo ao deserto, então...

A ruta 3, no sul da Argentina, cortando as enormes planícies patagônicas

A ruta 3, no sul da Argentina, cortando as enormes planícies patagônicas


Meio deprimidos, pegamos estrada novamente. O enorme vazio da ruta 3 e daquelas planícies intermináveis combinavam com nosso estado de espírito. A monotonia e o silêncio pesado só foram quebrados quando nos deparamos com uma placa na estrada. Anunciava o Bajo de San Julian, onde está a Laguna Carbón, o ponto mais baixo do país, das Américas e de todo o hemisfério sul e também da metade ocidental do planeta. Tínhamos nos esquecido disso!

Bajo San julian, o ponto mais baixo das Américas, no sul da Argentina

Bajo San julian, o ponto mais baixo das Américas, no sul da Argentina


Agora sim, que ironia! Depois da depressão causada pela destruição de La Olla, chegávamos à maior depressão das Américas! Alguém lá encima parecia brincar conosco, hehehe. Nessa viagem já tínhamos passado no ponto mais baixo da América do Norte, o Death Valley, na Califórnia, situado a quase 80 metros abaixo do nível do mar (post aqui). Agora, bem recentemente, passamos na Península Valdes onde, até há poucos anos, dizia-se estar o ponto mais baixo da América do Sul, quase 50 metros abaixo do nível do mar. Era isso o que eu tinha aprendido quando passei por lá em uma outra viagem no início da década de 90. Dessa vez, placas informativas já tinham corrigido o erro e apontado a Laguna Carbón como detentora do recorde. E agora, cá estávamos, desprevenidamente.

Marcado em vermelho, a Laguna Carbón, no Bajo San Julian. Com 107 metros abaixo do nível do mar, é o ponto mais baixo das Américas (no sul da Argentina)

Marcado em vermelho, a Laguna Carbón, no Bajo San Julian. Com 107 metros abaixo do nível do mar, é o ponto mais baixo das Américas (no sul da Argentina)


São 107 metros abaixo do mar. Acima apenas de seis ou sete depressões na Ásia e na África. A maior delas é o Mar Morto, pouco mais de 400 metros abaixo do nível do mar. Na Antártida também, tem um lugar a mais de 2 km abaixo do nível do mar. Mas está preenchido de gelo e, se tudo aquilo derretesse, o mar ocuparia seu espaço. Então, o que vale mesmo é o Mar Morto. E aqui na nossa América, é a Laguna Carbón. A gente só vê de bem longe, mas nada que um bom zoom na máquina fotográfica não possa resolver. E agora que já vimos o ponto mais baixo, logo vamos voltar para o ponto mais alto, o Aconcágua, com 6.952 metros de altitude. Ambos aqui na Argentina. Somados, passam da simbólica marca dos 7 mil metros! Dois recordes continentais na mão dos hermanos, mais um motivo para o famoso ego deles. Mas deixa para lá... O ego, a depressão, o Aconcágua, a caverna que já não existe. Hoje é o último dia do ano, nosso último réveillon dos 1000dias, temos mais o que fazer. Bosques Petrificados, aí vamos nós!

A Laguna Carbón, no Bajo San Julian, no sul da Argentina. É o ponto mais baixo do hemisfério sul ou do hemisfério ocidental do planeta

A Laguna Carbón, no Bajo San Julian, no sul da Argentina. É o ponto mais baixo do hemisfério sul ou do hemisfério ocidental do planeta

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A Incrível Floresta Petrificada

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